Recentemente, a Ana Flávia Magalhães Pinto escreveu um texto crítico à Marcha das Vadias de Brasília. Dizia que não havia espaço real para a discussão da negritude dentro da marcha. Eu que, apesar de branca e de classe média, me engajo na luta contra o racismo desde que entrei na faculdade, e que me engajei também muito na marcha das vadias de Belo Horizonte, fiquei bastante incomodada. Meu primeiro pensamento foi: mas... nós não somos racistas! Alguns segundos depois percebi o quão enganada eu estava. Me lembrei que “Não somos racistas” é o nome de um livro de Ali Kamel defendendo a não existência do racismo no Brasil (e, portanto, a não necessidade de políticas que promovam a igualdade racial), posição contra a qual eu sempre lutei. Ora bolas, é claro que somos racistas, somos muito racistas. E admitir isso é o primeiro passo pra mudar.
Alguns dias depois me vejo na posição da Ana Flávia: Na ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte a predominância da fala masculina assusta. Ou, de uma outra perspectiva, nem chama a atenção, de tão acostumados que estamos a ver o mundo da política sempre dominado por homens. Na assembléia que decidiria @s delegad@s para a reunião com o prefeito Márcio Lacerda (na qual infelizmente não pude estar presente, falo portanto com base em relatos de amigas), finalmente a questão foi levantada: “paridade de gênero”, gritou alguém. Virou pauta e votação. Por maioria quase esmagadora a paridade perdeu, no entanto. Os velhos argumentos meritocráticos (como se fosse possível falar de mérito em uma sociedade tão desigual), os velhos gritos de “não é hora para discutir gênero” (esqueci de ler a cartilha das prioridades da esquerda, pensei inocentemente que o combate a todas as opressões era urgente), as velhas advertências sobre o perigo de oprimir os homens.

Quando assisti à reunião com o prefeito pelo pós-tv e vi todos aqueles homens brancos engravatados, cumprindo suas funções esperadas de defender os interesses do dinheiro e fazer política (porque lugar de mulher é na cozinha), ao lado d@s delegad@s da ocupação, me senti aliviada por ver uma significativa presença de mulheres e pensei: “mas também, não podia ser diferente em um movimento que se pretende tão horizontal!”. Mal sabia eu a resistência que essa mesa paritária havia encontrado (algum tempo de discussão e uma segunda votação conseguiram emplacá-la). Agora fico pensando o que vai acontecer quando alguém propuser uma paridade racial também. Será que nós, tão comprometidos com a justiça e a igualdade, vamos conseguir representar a diversidade da nossa sociedade nessas comissões ou teremos que passar por toda a discussão das ações afirmativas mais uma vez? Resta a dúvida. E o convite para enxergarmos nossos privilégios e nos despirmos deles.
Para terminar, deixo o poema de Cláudia Mayorga sobre o ocorrido. Que estas palavras nos ajudem a construir uma luta efetivamente horizontal:
HORIZONTALIZAR
de-repente-tudo-começa-a-querer-voltar-pro-lugar.
militantes-barbudos-não-nos-querem-deixar-falar.
dizem-que-a-paridade-de-gênero-não-é-causa-pra-assembléia-se-importar.
dizem-mais-uma-vez-que-a-luta-pela-igualdade-de-gênero-vai-fragmentar.
dizem-mais-uma-vez-que-a-igualdade-de-gênero-deve-esperar.
lá-no-fundo-repetem-que-eu-não-sei-falar.
que-eu-não-sei-me-comportar.
que-eu-não-posso-representar.
que-eu-não-tenho-história-pra-contar.
dizem-mais-uma-vez-que-eu-devo-me-calar.
mas-ninguém-vai-me-calar.
mas-ninguém-vai-te-calar.
mas-ninguém-vai-nos-calar.
Eu votei pela paridade de generos, mas acho que algumas observações justas devem ser feitas aqui:
ResponderExcluir1. A votação não foi "paridade x não paridade" e sim "votação sobre paridade agora x votação sobre paridade depois de da primeira seleção dos delegados", o que foi alegado era que talvez nem seria necessário que decidisse a paridade em votação, pois provavelmente teria no minimo 5 mulheres dada a maneira q a ocupação estava sendo construída. E assim aconteceu, mesmo sem votar pela paridade, foi bem dividido o genero dos delegados.
2. Não foi uma maioria esmagadora, a votação teve que ser feita umas 3 vezes pra chegar numa conclusão de qual opção havia ganhado.
3. A maioria das pessoas que compõem os movimentos, partidos e que estavam no cotidiano da ocupação (ou seja, grande parte da esquerda organizada) votou pela paridade, quem votou "contra" foi mais o pessoal que chega na hora da assembleia mesmo e está num processo de politização mais recente, o que não tira a importancia deles no movimento. O que quero dizer que não foi um equívoco da "esquerda" como voce colocou.
4. Os argumentos usados para defender a paridade não foram legais, ficaram com um discurso pronto de que era só perceber a relacao de generos das comissões da ocupação que ficaria claro como era algo sexista (mulheres na limpeza e alimentação e etc). No entanto isso não é verdade, de uma maneira impressionante há paridade em quase todas as comissões...acho inclusive que na alimentação tem mais homens...
5. Duas situações me incomodaram muito naquela assembleia, primeiro o ataque e o constrangimento à garota que havia defendido que a paridade fosse decidida depois. Segundo, alguns momentos depois da votação houve a acusação de que um rapaz havia assediado uma mulher e que esse rapaz deveria ser expulso da ocupação pois não é aceitável que aquele se tornasse um espaço de opressão das mulheres. Houve toda uma mobilização para procurar o tal "rapaz", pelas indicações ele foi confundido por uma criança de uns 12 anos que está lá na ocupação. Fiquei chocado com a situação e perguntei para quem havia presenciado o "assédio" se o "rapaz" era da mesma faixa etária que aquela criança, e me falaram que talvez fosse um pouco mais novo e que ele havia chegado numa roda de mulheres abraçando uma delas, que logo empurrou o menino e foi em direção ao microfone fazer a acusação. Portanto, uma criança com por volta de 11, 12 anos sendo acusada publicamente de assédio sexual por uma ação caracterizada como um abraço? O quero dizer com tudo isso é que não basta que as coisas sejam colocadas e reivindicadas, mas sim que isso seja feito da maneira certa.