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Lulu e Tubby: por que somos contra?

Primeiro surge o Lulu, um aplicativo no qual mulheres avaliam homens com os quais já se relacionaram. A revolta masculina é geral: estão querendo nos avaliar? Nos dar notas? Nos expor? Justo nós, que estamos acima de qualquer avaliação?

Quem via a polêmica de fora (meu caso, já que não tenho smartphone para ter o aplicativo) achava que os homens estavam sendo alvo de uma verdadeira inquisição. Quando fiquei sabendo de quais eram os hashtags, no entanto, vi que se tratava de violência zero: “nerd”, “cara legal”, “imaturo” e “lembra aniversários” são exemplos das “classificações absurdas” das quais eles estavam sendo alvo.

Muitos argumentaram que o problema era a ausência de privacidade, a ausência de controle sobre seus dados, a quantificação e superficialidade das relações. Bem, eu concordo que tudo isso é ruim, mas será que foi o Lulu que inaugurou essas coisas? O Facebook, o Google, a Apple e várias outras empresas já acabaram há muito tempo com nosso direito sobre nossos próprios dados e nossa privacidade. Por que é que essas pessoas também não estão se revoltando contra tais empresas? É mesmo o Lulu o inimigo?
Sobre à quantificação e superficialidade das relações, digo que estas já ocorreram também há muito. Se não tivessem ocorrido, aplicativos como esses nem existiriam, ou ao menos não fariam nenhum sucesso. O Lulu não inventou nada disso. No entanto, vejo só agora pessoas (e especialmente homens) se revoltando. Por que será?

E, depois de todo o chororô masculino e de toda a polêmica, surge o Tubby: “a resposta dos homens”. Ora, mas que bela jogada de marketing, não é mesmo? Ao invés de lançar o aplicativo que classifica mulheres primeiro, lançam o aplicativo que classifica homens, isso gera bafafá e revolta e, voilà: de repente é legítimo um Tubby, afinal ele não é uma baita opressão das mulheres, ele é só uma resposta mais do que merecida a uma violência feminina que veio primeiro. Genial, não? E adivinhem se as hashtags são “lembra do aniversário”, ou “imatura”? Não, as hashtags são “adora tapas” e “engole tudo”. Além disso, quando a mulher exclui seu perfil do Tubby, ele deixa público que tal mulher “arregou”. Super simétrico, não?

O Lulu reproduz uma imagem estereotipada das mulheres, que querem saber se o cara “lembra do aniversário” e se é “legal com a família”, que só se importam com emoções, ao passo que Tubby mostra que os homens querem mesmo é saber de sexo. E é essa lógica que alimenta um sistema machista, uma lógica que define um modelo de mulheres e homens. Além de alimentarem este sistema (e não de o terem criado), os aplicativos são heteronormativos e moralistas, e estes sim me parecem bons motivos para se opor a eles. 

No entanto, achar que ser contra o Lulu é a mesma coisa de ser contra o Tubby é um erro enorme. Os dois aplicativos fazem coisas muito diferentes: enquanto o primeiro submete à avaliação pública pessoas que não sabem o que é isso, o segundo aprofunda a avaliação pública que as mulheres sofrem diariamente (e eu não estou exagerando) na rua, em casa, na faculdade, na televisão. Os corpos das mulheres são vistos como públicos, como passíveis de qualquer avaliação a qualquer momento e um aplicativo que colabora com isso é infinitamente mais agressivo do que um aplicativo que brinca de dizer se o homem x gosta ou não de cachorro.

Não sou contra o Lulu porque ele objetifica homens, porque ele é um “machismo ao contrário”, ou porque ele “quantifica relações”, sou contra porque ele retrata um estereótipo machista de mulher, por que ele é heteronormativo e moralista. Convenhamos, se o problema é a invasão da privacidade, faz muito mais sentido nos levantarmos contra o Facebook, não é mesmo? Esta revolta sim vai ter todo o meu apoio.

ALERTA: Não retire seu perfil pelo site do aplicativo, isso pode dar mais informações a ele (entenda aqui).
Por enquanto, o melhor tutorial é este: http://noplaceforhateblr.tumblr.com/post/68736591386/tutorial-rapido-de-como-desvincular-sua-conta-do-app

Comentários

  1. Eu acho o Lulu inofensivo, mas concordo que ele projeta um estereótipo feminino. Quanto ao Tubby, me parece uma reação mais do que desproporcional, é criminoso. Pode inclusive incentivar ações violentas contra as mulheres avaliadas.

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  2. como sempre mulheres expondo opiniões imparciais com visões miope das coisas. Como assim corpo publico ? ou vc está querendo dizer que as mulheres são obrigadas a fazer isso ? se alguma mulher sai praticamente pelada na rua pq são forçadas vc está fazendo uma acusão que é crime, estupro, mulher nenhuma é obrigada a nada, eu não ando que nem piriguete na rua, agora vir com esse papo de que as ferramentas são diferentes, isso não, #curtefioterra #faznemcocegas #3pernas, #filhinhodamamae #bafodamatorte.. mulher e homem dizem a mesma coisa de formas diferentes, mulher usa muita indireta e msgs subliminares, enquanto homens são mais vulgares e diretos, agora isso não signifca q seja a mesma coisa, sem mimimi vai, mulher fala fazer amor homem fala foder, o problema dos dois aplicativos é proibir a entrada do sexo oposto e fazer avaliações anonimamente, toda repercussão é por conta disso, primeiro que 99% das minhas amigas falam com todas as letras que não avaliariam os caras se não fosse anonimo, WTF ? me poupe né, cade o caracter das pessoas ? se vc não é mulher o suficiente pra assumir uma coisa que vc diz então se mata...

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    Respostas
    1. Primeiro: pontuação está aí para ser usada.
      Segundo: homens também podem expor opiniões imparciais com visões míopes, vejo isso o tempo todo.
      Terceiro: O significado de "corpo público" foi explicado no próprio texto. Significa que não temos intimidade - qualquer um pode nos avaliar, julgar, apontar a qualquer momento, e até mesmo tocar.
      Quarto: Você não andar feito "piriguete" não tem nada a ver com o aplicativo, e sim com o fato de que "moça, você é machista" ao achar que isso muda alguma coisa em como você deve ser tratada na rua.
      Quinto: realmente, #3pernas tem a ver com sexo, mas duvido que algum homem seja mal falado se apresentar essa hastag. Agora, uma hastag como #engoletudo, embora não devesse significar nada, é um pretexto pra chamar qualquer mulher de puta e outras coisas - independente do caráter dela. Somos constantemente oprimidas sexualmente.
      Sexto: todos os homens que te cantam na rua são seus conhecidos, se apresentam antes, dão credenciais? Fica a reflexão.

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