"Frei", do alemão, "livre". (Foto minha de uma placa em Berlim) |
Este texto é um desabafo, uma terapia e uma forma de engajamento político ao mesmo tempo. Ele é fruto de uma angústia cuja razão demorei um tempinho pra entender. Pra lidar com esse sentimento estranho que eu não conseguia significar, resolvi seguir o conselho que sempre dou para as pessoas: depois de aceitar e sentir, procurei entender o que esse sentimento estava querendo me dizer. Nesse processo de auto-análise percebi que há muito tempo eu não escrevia no blog - coisa que amo - e consegui descobrir a razão: me afastei, por motivos que vou explicar ao longo desse texto, do ativismo político - na sua concepção clássica, ao menos - e como o blog sempre foi destinado à política, eu não tinha mais o que escrever no blog. Não que eu não tenha mais nada pra dizer, tenho muita coisa, mas por receio do julgamento externo, acabei me silenciando. Explico.
Cresci
em um meio intelectual, majoritariamente cético e de esquerda.
Amigos, família, escola, faculdade, tudo sempre esteve inserido
nesse mundo. De uns anos pra cá, o contato crescente com a umbanda e
a astrologia me abriu outras perspectivas – que, pra mim, não são
nada incompatíveis com as que eu tinha antes, mas que pra muita gente são.
Digo que não são incompatíveis porque as motivações são as
mesmas, os objetivos são os mesmos. Eu me engajei por muito tempo na
política por que eu queria a transformação do que eu achava errado
no mundo, ou seja, as violências, as desigualdades, o autoritarismo.
Continuo acreditando na política como uma forma válida de buscar
essas coisas (ainda que muito cansativa e frustrante em vários
momentos), mas ao observar que a esquerda muitas vezes cai nas mesmas
armadilhas da direita (do ódio, do ego, do desrespeito às visões
divergentes), quis partir para a contribuição em uma empreitada um
pouco maior: a cura das relações humanas. Percebi que discursos são
só discursos se não conseguimos trazê-los para a prática, para as
vivências do dia a dia.
Comecei a me perguntar porque era tão difícil trazer o discurso feminista do empoderamento para a minha vida. Houve um momento no qual eu tinha tanta consciência das violências que eu sofria por ser mulher e do tanto que minha auto-estima tinha sido destruída pela sociedade que era quase enlouquecedor não conseguir transformar meus padrões destrutivos, minhas relações de dependência afetiva, não conseguir não ser intimidada por um assédio na rua. Comecei a sentir uma necessidade grande de viver o empoderamento que eu pregava ao invés de ficar só no discurso (que já é um passo muito importante, mas é apenas um passo). E vendo a dificuldade que eu tinha de desconstruir o machismo na minha vida, comecei a entender também que é igualmente desafiador para um homem começar a incorporar o discurso feminista na sua prática diária, pois nenhuma mudança pessoal profunda acontece do dia pra noite e sem muito esforço. Minha mudança de nível de atuação foi e continua tendo motivações feministas, pois me interessa ver mulheres empoderadas e felizes e homens desconstruindo seus privilégios – e também felizes. Entendi que topar uma transformação pessoal profunda dos padrões pessoais (tanto de auto-sabotagem quanto de violência ao outro) não é tarefa nada fácil, mas hoje posso dizer que vale cada minuto.
Conseguindo ver, a partir do meu processo terapêutico, minha auto-estima crescendo, minha coragem de me
colocar crescendo, minha coragem de abandonar relações que me
faziam mal crescendo, minha liberdade e minha felicidade crescendo,
resolvi ajudar as pessoas a fazer essa mesma travessia, em busca do
equilíbrio e do bem-estar. Não só porque é ótimo para as
pessoas que elas parem de sofrer, mas porque é ótimo para a sociedade
que as pessoas estejam bem, porque só pessoas infelizes e frustradas
sentem necessidade de fazer mal pros outros, de oprimir, agredir, de
desrespeitar escolhas diferentes. Quando a gente está
vivendo a própria verdade, é muito mais fácil respeitar as
verdades dos outros – e antes que me acusem de um relativismo extremo que pode ser usado pra defender o nazismo ou algo assim,
repito o que uma preta velha me disse uma vez no terreiro: "ninguém
faz mal pros outros quando está vivendo a própria verdade."
Por
muito tempo eu quis escrever esse texto, por muito tempo eu quis
explicar para as pessoas a minha mudança de direção, mas confesso
que demorei a criar coragem por receio dos julgamentos desse meio
intelectual de esquerda, por medo de me colocarem alguma etiqueta do
tipo “alienada”, “hippie louca”, “poliana”, “escapista”
e pararem de ouvir o que tenho pra dizer em meus textos. Então
descobri que o que essa angústia estava tentando me dizer era que eu
tinha que ter coragem de ser quem eu sou, de expressar o que penso, porque é isso que meu sol de casa cinco conjunto com mercúrio me
pede (entendedores entenderão). Em outras palavras, a expressão do
que eu penso faz parte do que eu sou e fugir disso só me faz mal. Então estou aqui, desnuda, porém corajosa, afirmando
minha escolha e minha verdade, contando com o respeito e compreensão
de quem me conhece, mas ciente dos julgamentos que virão – e
tentando não me importar com eles.
No
meio de toda essa crise política, tenho estado mais calada (muito
por fazer o exercício de parar de achar que minha opinião sobre as
coisas é muito importante), mas trabalhando arduamente pra ajudar as
pessoas a encontrarem saúde mental e equilíbrio emocional (duas
coisas que muitas vezes a política tira da gente) e para isso eu
tenho que estar eu mesma bem e inteira, pois como diria o sábio ditado, despir um santo pra vestir
outro não adianta de nada.
Não
me entendam mal, não passei a achar a política desimportante, ao
contrário, fico felicíssima de ver que tem pessoas fazendo com
paixão o que eu fazia antes (tão apaixonadamente quanto), mas agora
minha paixão está se manifestando em outro lugar. E que bênção é
a diversidade: umas pessoas fazem política e outras ajudam essas
pessoas a se recomporem emocional e energeticamente para poder
continuar fazendo política (e isso, pra mim, também é fazer política). Se houvesse apenas uma espécie de
árvore, não existiriam as florestas.
Termino dizendo que não estou alienada, estou arrumando meu mundo interno para poder ajudar cada vez mais no mundo externo, do jeito que sei, quero e dou conta. É uma sensação ótima, vocês deveriam experimentar.
Termino dizendo que não estou alienada, estou arrumando meu mundo interno para poder ajudar cada vez mais no mundo externo, do jeito que sei, quero e dou conta. É uma sensação ótima, vocês deveriam experimentar.
"ninguém faz mal pros outros quando está vivendo a própria verdade."
ResponderExcluirA sabedoria dos pretos velhos, o conforto e a sensação de completo que esta traz para as nossas vidas é incalculável! Só a gratidão (eterna) paga.
Adorei o texto. Me encontrei em absoluto no mesmo.
Agradeço pela coragem pois até hoje não tinha encontrado quem pensasse, sentisse e vivesse o mesmo que eu, me sentindo um peixe fora de todas as águas pelas quais passeamos pela vida...
Maravilhosamente explicado, Nat! Me identifiquei muito com este aspecto da sua jornada, pois passei por uma fase bem semelhante ha um tempo atras. E nos meus 63 anos, este tipo de reflexao faz mais sentido, pois ja posso sentir os limites do tempo que tenho a minha frente, e sei que a sociedade (incluindo o machismo) nao vai mesmo mudar da noite pro dia ... Entao a gente transforma a energia gerada pela raiva e indignacao em coisas mais positivas e canaliza esta energia para outras areas da vida. Beijos, querida.
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