Sobre o suposto erro na pesquisa do IPEA, tenho algumas coisas a dizer, já que, além de mulher, sou cientista social.
Todas, simplesmente TODAS, as pesquisas quantitativas podem ser contestadas (e claro, as qualitativas também), porque as ciências humanas (eu incluiria também as naturais e exatas, mas deixa isso prum outro texto) não são e jamais serão objetivas. A forma como se pergunta sempre irá influir na resposta, assim como QUEM pergunta, QUANDO, ONDE e PARA QUEM se pergunta (a esse respeito, gosto sempre de lembrar a famosa pesquisa realizada em São Paulo em 1988 na qual 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito racial, ao passo que 98% destes mesmos entrevistados afirmaram conhecer pessoas de seu círculo próximo que tinham, sim, preconceito).
Amostras sempre podem ser enviesadas, "erros" de aplicação de questionário sempre ocorrerão. São humanos lidando com humanos, oras! Como cientista social que sou (e olha que nem entendo muito de sociologia quantitativa), consigo achar "falhas" em qualquer pesquisa quantitativa que me apresentarem. Isso, no entanto, não significa que não seja possível medir determinadas coisas e obter resultados muito próximos da realidade.
Essa realidade, no entanto, jamais, JAMAIS, poderá ser acessada por pesquisa de qualquer natureza. A realidade do resultado da pesquisa do IPEA nós mulheres sentimos é na pele, diariamente, quando deixamos de vestir tal roupa, de passar por tal lugar, de sair tal hora pelo risco de ser estupradas (e ainda por cima de ser culpabilizadas pela agressão). A realidade da pesquisa do IPEA sentimos diariamente nas conversas entre homens no ônibus, nos comentários em portais de notícias, no almoço de domingo, no jornal, na novela, no rádio, nas revistas, nos comerciais, etc, etc, etc.
Pouco importa se são 65, 24 ou qualquer outra porcentagem. Vivemos em uma sociedade no qual é forte o imaginário de que mulheres merecem ser estupradas e eu nunca precisei de pesquisa nenhuma pra saber disso. Me admira, no entanto, a pressa e a mobilização geral pra contestar a pesquisa do IPEA que finalmente chama atenção para esta realidade.
Pouco importa se são 65, 24 ou qualquer outra porcentagem. Vivemos em uma sociedade no qual é forte o imaginário de que mulheres merecem ser estupradas e eu nunca precisei de pesquisa nenhuma pra saber disso. Me admira, no entanto, a pressa e a mobilização geral pra contestar a pesquisa do IPEA que finalmente chama atenção para esta realidade.
Vocês aí do alto de suas torres de marfim, parem de contestar o resultado da pesquisa do IPEA! Nós mulheres dizemos: ela é real. Numa sociedade onde, por absurdo que isso seja, não basta que mulheres berrem que vivemos numa cultura do estupro, precisamos, infelizmente, desse instrumento de autoridade e legitimação científica para continuar nossa luta.
Por que será que não se investe esse mesmo relativismo científico na hora de desmascarar as “pesquisas” biologicistas que naturalizam as desigualdades de gênero? Se vocês não têm mais nada pra fazer, senhores cientistas, não atrapalhem a nós, que temos uma sociedade inteira pra mudar.
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