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Intimidade e DST: pelo direito de não transar


*Esse é um texto direcionado principalmente às mulheres bi ou heterossexuais

Acho que está na hora de conversarmos seriamente sobre DST e intimidade. 

Tenho pensado como a luta (importantíssima) pela liberdade sexual feminina e suas conquistas trouxe consequências com as quais temos que lidar, porque tudo nessa vida tem prós e contras. Um desses contras é quanto estamos expostas a doenças sexualmente transmissíveis (das mais leves às mais sérias). O outro desses contras é o quanto muitas vezes nos sentimos obrigadas, às vezes inconscientemente, a fazer um uso intenso e indiscriminado dessa liberdade e acabamos transando com gente nada a ver (e, de novo, nos expondo a riscos).

Poder transar no primeiro encontro sem ninguém julgando ou enchendo o saco é uma conquista feminista importante, afinal de contas, nosso corpo, nossa vida, nossas regras. Mas essa liberdade não é só feminista, muitas vezes ela vira nossa inimiga. Exemplifico: uma vez, há muitos anos atrás, fiquei com um cara e não estava a fim de transar naquela noite, então quando ele me deixou em casa, eu falei que eu não iria convidar ele pra entrar naquele dia. Ele, em uma tentativa tosca de me pressionar, disse: "ai, essa tradicional família mineira... achei que você era mais livre". Não preciso nem explicar o nível absurdo de machismo e manipulação desta frase, né? Mas o fato é que, muitas vezes, temos essa idéia introjetada inconsciente de que se a gente não transar a gente é careta, a gente é pudica, a gente é travada. E isso NÃO é um bom motivo para se engajar em um contato extramente íntimo com alguém. Fico pensando o quanto eu teria me exposto menos a doenças e situações desagradáveis, se eu tivesse deixado de transar com todos os zé manés aleatórios que eu já transei mesmo sem querer tanto, achando que por algum motivo eu não podia ou não devia dizer não (e sim, pra nós mulheres que fomos socializadas a agradar, dizer não é um aprendizado extramente difícil - e necessário).

E aí chegamos em um outro tema muito importante: camisinha. Não tem papinho, camisinha TEM QUE USAR, e é do início ao fim. Tem uma grande quantidade de DSTs que são transmitidas apenas no contato pênis-vagina, então não dá pra deixar "só a cabecinha" ou "só um minutinho". Não esperem ter uma DST pra aprender isso, não vale a pena. Não dá pra ceder a pressão de homem (e o cara que não te respeitar nisso é melhor você apagar da sua lista de contatos) e nem pra ceder à nossa própria vontade, porque na hora que tá gostoso dá vontade mesmo de começar sem camisinha, eu já cedi a essa tentação algumas vezes até entender que realmente não rola. 
Transar sem camisinha nem em relacionamento estável e monogâmico é totalmente seguro (rola direto do cara trair a namorada e não usar camisinha), mas se for fazer isso, seja responsável o suficiente pra fazer exame de DST e conferir se ele fez também (eu particularmente não acredito só na palavra, quero ver o exame), além de bater aquele papo reto de "se for transar com outra pessoa, pelamor de deus, usa camisinha do início ao fim", mesmo em um namoro fechado. A boa notícia é que hoje em dia há camisinhas maravilhosas como a Skin, que não são feitas de látex e são ultra finas, quase imperceptíveis! 

Para além do sério risco de DST, tenho pensado bastante também sobre a questão da intimidade. Cada pessoa sabe de si e das suas escolhas, mas proponho uma reflexão também sobre a troca energética que é transar com alguém. O sexo é o ápice da intimidade, é uma troca energética profunda e deveríamos pensar um pouco mais a respeito das pessoas com as quais escolhemos ter essa troca. A transa no primeiro encontro pode ser ótima, mas grande parte das vezes é ruim ou meia boca porque a gente ainda não tem justamente a intimidade necessária com a pessoa pra dizer o que tá bom e o que tá ruim, se a gente quer continuar ou parar, ou pra dar aquele xingo se o cara desrespeitar em algum momento. 
Eu tenho preferido conhecer as pessoas um pouco melhor, sentir antes se há afinidade sexual (a famosa química) e principalmente sentir se a pessoa vai me respeitar integralmente, antes de ter uma relação sexual. Poupa muita transa ruim, muita situação abusiva e ainda preserva do risco do contato com alguma DST (que até no sexo oral pode ser transmitida). Se você fala não pra qualquer coisa e o cara não respeita e tenta te pressionar, já é um ótimo sinal pra você pular fora. 

Cada uma sabe de si e faz suas escolhas, mas deixo esse apelo: não transe sem camisinha, não transe com alguém que não te respeita e, principalmente, não transe sem estar efetivamente com vontade! Depois de tanto tempo afirmando nossa liberdade de transar, não podemos esquecer da nossa liberdade de não transar. Por sexos mais seguros, prazerosos e verdadeiramente livres!



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