Pode-se pensar a princípio que já falamos demais sobre isso. Realmente, na internet, na televisão, nas mesas de bar, muito se fala sobre um certo ideal de sexo. Mas sobre o que da fato acontece na vida real fala-se muito pouco. Muitas vezes o próprio casal (seja fixo ou eventual) não consegue conversar sobre o que foi bom, o que não foi, o que e como melhorar.
E foi esse vídeo aqui que me motivou a escrever sobre isso, porque têm coisas muito sérias acontecendo por aí sendo chamadas de sexo. E isso é uma questão que diz respeito a todo mundo, mulheres, homens e trans seja de que orientação sexual forem.
Eu particularmente estou mais familiarizada com a dificuldade que as mulheres heterossexuais têm de se colocar, de parar quando tá ruim, de dizer o que gostam e o que não gostam, de sentir prazer e de se empoderarem pra sair da posição de objeto ou de benfeitoras (que priorizam o prazer do parceiro em detrimento do seu próprio). Falo então desse lugar, sem que isso signifique que coisas parecidas não aconteçam em outras configurações de relação, porque falta de comunicação e de auto-estima tem em qualquer lugar.
A primeira coisa urgente que temos que aprender é a deixar os egos de fora disso, porque enquanto as pessoas tiverem seus egos feridos quando alguém disser que o sexo não tá bom, ou acharem que a ausência da vontade de transar 24h por dia, 7 dias por semana é sinal de falta de afeto ou rejeição a gente não vai a lugar nenhum. Vou colocar em letras garrafais pra ficar claro: NINGUÉM ESTÁ SEXUALMENTE DISPONÍVEL O TEMPO TODO E NINGUÉM GOSTA DE TUDO QUE ACONTECE EM TODAS AS TRANSAS. O sexo é um encontro, uma construção cojunta, algo que deve ser fluido e prazeroso para ambas as partes. E muitas vezes essa fluidez não vem pronta, mas precisa ser construída na base de muito diálogo e respeito. Se não está sendo bom, melhor parar, deixar pra outro momento ou então ter aquela conversa pra entender o que tá acontecendo. É como dançar a dois: se tá travado, tendo pisão no pé o tempo inteiro, se tá fora do ritmo, se não tá divertido, não é dança. E quando rola isso é a hora de, com suavidade e humor, reconhecer "é, acho que não tá rolando, né?".
Sem dúvida é responsabilidade das duas partes envolvidas o nível de comunicação e respeito em um contato íntimo, mas é muito importante que compreendamos que há sim uma desigualdade estrutural de gênero em termos de sexualidade. Mulheres foram criadas pra agradar, pra dizer sempre sim, pra priorizar o outro, pra não exercer a sexualidade, não se masturbar, pra não falar de sexo e isso faz com que muitas sintam que há algo errado quando elas entram na vida sexual e acham tudo muito doloroso e estranho, mas acham que têm que fazer cara de que estão gostando e fingir orgasmo pra não serem consideradas frígidas ou disfuncionais. Isso é muito sério e isso tem que parar. Uma parte disso sem dúvida passa pelo nosso empoderamento enquanto mulheres para conseguir dizer não e pelo nosso auto-conhecimento pra entender o que a gente gosta e o que não gosta. Mas outra parte importantíssima, no que tange às relações heterossexuais, passa por uma reeducação dos homens (que em vários momentos estão tão perdidos quanto, tentando sustentar uma pose de super-homem sexual sem conseguir atingir uma conexão efetiva com a parceira).
Homem, esse parágrafo então se dirige a você:
Não insista pra começar uma relação se você percebe que a pessoa não está a fim - você não pode insistir pra enfiar uma parte do seu corpo em outra pessoa quando ela não tem vontade, isso não é aceitável e não faz sentido, especialmente porque o sexo é pra ser uma experiência boa pra todos os envolvidos. E, quando a pessoa parceira não quiser, não caia na tentação de fazer uma chantagem emocional do tipo "você não gosta mais de mim?". Eu sei que as vezes é por insegurança e não por má intenção, mas é pra trabalhar esse tipo de dependência emocional que serve meditação e terapia, é olhando pra dentro que você vai resolver isso e não forçando a barra para uma pessoa fazer sexo com você. Libido e afeto se relacionam, mas não são a mesma coisa. Não é toda hora que uma pessoa quer transar, às vezes ela está cansada e quer dormir, às vezes ela quer só conversar, às vezes ela realmente está sentindo dor de cabeça. Se a falta de libido for muito constante, é o caso sim de olhar pra relação e conversar sobre o que está acontecendo, mas insistir pra transar jamais. O mesmo vale para masturbação e sexo oral, que também são formas de sexo e que a pessoa também precisa estar a fim!
Uma vez iniciado o sexo - caso seja com uma mulher -, em hipótese alguma comece a penetração sem que a mulher esteja totalmente lubrificada, porque senão VAI DOER. É o caso de fazer mais preliminares ou de perguntar o que a mulher está querendo e, se não rolar a excitação, talvez ela só não esteja no clima e não teve coragem de te falar pra não ferir seus sentimentos (ou seu ego), ou seja, melhor não continuar (aliás, apenas um parceiro meu fazia isso de parar espontaneamente quando via que a conexão não estava rolando, não por acaso foi o melhor parceiro sexual que já tive). Em hipótese alguma insista pra rolar - ou mesmo "só começar" - sem camisinha, isso é uma das coisas mais comuns e mais desrespeitosas do mundo (se você for desses que não consegue transar com camisinha de látex, compra uma da marca Skin e pare de expor as mulheres a sérios riscos e DSTs). Não insista para a mulher fazer sexo oral se ela não quiser e principalmente, não fique segurando e forçando a cabeça dela, muitas mulheres sentem ânsia de vômito com isso e eu imagino que você não queira causar isso na sua parceira.
Em resumo, desenvolva empatia e percepção do que está acontecendo com a pessoa que você está transando, porque presumo que você não queira que ela continue ali sofrendo fazendo uma coisa que ela não quer fazer porque foi criada pra ser submissa e não expressar suas vontades (presumo isso porque se você chegou até esse ponto do texto, você provavelmente não é um babaca).
Agora um parágrafo dirigido às mulheres:
Uma pessoa que não respeita seus nãos, suas vontades e indisponibilidades, não merece se relacionar com você em nenhum nível. Você pode e deve se expressar, você não é obrigada a gostar de nada porque a sociedade ou alguém te disse que você tem que gostar. Tudo que você sente é LEGÍTIMO. E você não precisa se culpar por não ter conseguido se expressar até hoje, é muito difícil mesmo. Mas tente daqui pra frente se tratar com tanto respeito e consideração quanto você trata os outros. Tente se agradar o mesmo tanto que você tem vontade de agradar os outros. Se em qualquer momento que você expuser uma dor, sensação, vontade ou sentimento para uma pessoa, ela não se importar, o problema está com ela e não com você e é um ótimo sinal pra você pular fora dessa relação. Se o sexo não está sendo prazeroso, isso não é um problema seu, é só uma ausência de conexão com a pessoa e isso é algo que simplesmente acontece. Não se force a transar, não se force a ter um orgasmo, você não tem que provar nada pra ninguém. É difícil, eu sei. Mas aos pouquinhos vai ficando cada vez mais fácil até que colocar seus limites e suas vontades vira algo muito natural. Converse com seu parceiro, converse sobre tudo, porque só com uma pessoa que você consegue conversar sobre tudo você vai conseguir construir uma relação e uma vida saudáveis. Se conheça, faça terapia se for possível, converse com suas amigas, medite, se empodere, mas não faça nada que te violente.
Termino esse texto lembrando que o sexo é como uma dança, e a dança acontece quando ela transcende a individualidade dos bailarinos e simplesmente flui. E ninguém merece nada menos do que isso. Mas pra encontrar uma dança que seja fluida é preciso primeiro saber recusar as pessoas que pisam constantemente no nosso pé (ou no mínimo ensinar a pessoa a dançar) e entender que não, a dança não é uma série de pisões no pé. E não, o sexo não é pra ser uma série de frustrações, desencontros e repressões. Vamos falar mais sobre isso?
Comentários
Postar um comentário