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Mostrando postagens de 2014

Sobre Duvivier, feminismo e diálogo

A última polêmica feminista nas redes sociais diz respeito a uma das três capas da TPM de novembro deste ano que traz Gregório Duvivier criticando a proibição do aborto no Brasil. Após ter recebido críticas de algumas feministas, Gregório se defendeu em sua coluna , o que colocou um pouco mais de lenha na fogueira.  Como feminista e ativista virtual, gostaria de dar minha contribuição para o debate, lembrando sempre que existem vários feminismos, várias posições possíveis (e hoje em dia eu vejo isso como algo bastante positivo) e a minha é só mais uma. Gregório Duvivier foi criticado por estar tirando o protagonismo das mulheres ao ser capa da revista. Muita gente que não participa dos espaços políticos feministas ou com feministas provavelmente nem entende de onde essa crítica vem. Essa crítica é, no entanto, muitíssimo importante e vou tentar resumir o porquê. Vivemos em um país dominado por homens (basta dizer que em um país com maioria de mulheres, os homens conqui

Um voto altruísta e incoerente

  Peço desculpas aos povos indígenas, às pessoas que moram na favela da Maré, às pessoas da oposição de esquerda que foram vigiadas, ameaçadas, reprimidas e presas por se manifestar contra a  Copa (incluindo eu mesma), à população negra exterminada, à população LGBT que quase não foi enxergada e às mulheres que morreram fazendo abortos, mas, depois de muito refletir, decidi votar na Dilma. Decidi votar na Dilma, não por medo (acho que esse sentimento, tantas vezes mobilizado por forças conservadoras, não é um bom motivo para fazer escolhas políticas), mas pelas mulheres que conheci no Vale do Jequitinhonha, que antes do governo do PT não tinham renda, atendimento médico, nem comida. Decidi votar na Dilma pelas comunidades quilombolas e tradicionais, que apesar das violências que ainda sofrem, só começaram a ser reconhecidas e minimamente amparadas pelo Estado no governo do PT. Pelas negras e negros que hoje podem estudar nas universidades públicas e por todas as pessoas que traba

O que o resultado das eleições têm a ver com as manifestações de Junho?

Após o resultado das eleições 2014, vi várias pessoas e analistas dizendo que nada mudou no cenário eleitoral depois das manifestações de junho de 2013, ou que o congresso ficou ainda mais conservador. Afinal de contas, o que as manifestações de Junho têm a ver com  o resultado das eleições? Minha resposta é relativamente simples: nada. Se não podemos definir sobre o que exatamente eram as manifestações, dada a imensa diversidade de pautas, podemos ressaltar facilmente que o repúdio a bandeiras e partidos de qualquer posicionamento ideológico veio com força total (por vezes de forma inclusive violenta). As jornadas de junho vieram pra mostrar o tamanho da descrença da juventude no atual sistema democrático representativo e, se estamos falando justamente de uma profunda crise de representação, é claro que não é nas urnas que a voz das ruas vai se expressar. Essa eleição foi como dar uma questão fechada a jovens que só querem questões abertas, ou melhor, querem mesmo é elaborar

Dilma com outra roupa? Uma análise feminista das eleições

É a primeira vez que temos duas mulheres liderando as pesquisas para presidente do país, com chances reais de se enfrentarem no segundo turno. O macho-alfa Aécio (que até recentemente, estava crente que iria abalar) se desesperou e resolveu atacar suas duas concorrentes de uma só vez: por meio, claro, do machismo. Ouvi hoje seu mais novo jingle, que termina com a seguinte frase: "Marina é Dilma com outra roupa". Fiquei indignada e resolvi reunir nesse texto todas as impressões que tenho tido das campanhas no que tange à discussão feminista. Após sofrer ataques recentes, Marina fez um apelo feminista à Dilma: "Por favor presidente, venha para o debate, apresente seu programa, mas não queira, a primeira mulher presidente da República, destruir uma outra mulher que também tem o direito de participar da democracia", durante comício em Campina Grande, interior da Paraíba. Programas políticos à parte, essa é uma das declarações mais feministas que ouvi até agora na

O Vale do Jequitinhonha e o Bolsa Família

        Acabo de voltar de uma intensa e transformadora viagem no Vale do Jequitinhonha. Nós, pesquisadoras do NEPEM, visitamos quatro comunidades da área rural de Araçuaí e ouvimos mais de cem beneficiarias do Bolsa Família a fim de entender quais foram os impactos de dez anos do programa na vida das mulheres. Dentre as quatro comunidades, duas eram comunidades rurais, Alfredo Graça e Baixa Quente, uma era indígena, Cinta Vermelha Jundiba (fruto de um casamento Pankararu-Pataxó) e uma quilombola, Baú Santana.                                                                                                       As histórias que ouvimos, as realidades que vimos, as experiências que vivenciamos mexeram muito comigo. E, mesmo longe de concluída a análise do vasto material que colhemos durante essa pesquisa (que visitou também outros municípios de Minas Gerais), já percebemos que o Bolsa Família é um divisor de águas na vida das populações pobres do país. Ouvimos relatos marcantes de

Nada mais nada menos que uma chocadeira: sobre Adelir e a desmilitarização

Nathalia Duarte e Joviano Mayer Há uma frase feminista já bastante difundida que diz que “feminismo é a ideia radical de que mulheres são gente”. “Que exagero!”, dirão alguns, “é claro que mulheres são gente, todo mundo sabe disso”. Bom, aparentemente o Estado brasileiro ainda não tem esse entendimento. Para ele, somos nada mais nada menos do que chocadeiras que parirão os homens (pilares da sociedade) e mulheres (que no futuro irão parir mais homens). A quem acha que essa afirmação é muito radical, respondemos que radical é a violência à qual Adelir Carmen Lemos de Góes foi recentemente submetida, assim como acontece com inúmeras mulheres diariamente no Brasil. Arte: Bruna Barros rabiscodiario.tumblr.com O caso de Adelir, no entanto, explicita de forma incontestável a violência obstetrícia (mais uma das 238.587 formas de violência que atingem as mulheres) e evidencia, ainda, o papel ativo do Estado na colocação da mulher no lugar de mera chocadeira a despeito da sua con

Cientista comprova: a pesquisa do IPEA não está errada

Sobre o suposto erro na pesquisa do IPEA, tenho algumas coisas a dizer, já que, além de mulher, sou cientista social. Todas, simplesmente TODAS, as pesquisas quantitativas podem ser contestadas (e claro, as qualitativas também), porque as ciências humanas (eu incluiria também as naturais e exatas, mas deixa isso prum outro texto) não são e jamais serão objetivas. A forma como se pergunta sempre irá influir na resposta, assim como QUEM pergunta, QUANDO, ONDE e PARA QUEM se pergunta (a esse respeito, gosto sempre de lembrar a famosa pesquisa realizada em São Paulo em 1988 na qual 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito racial, ao passo que 98% destes mesmos entrevistados  afirmaram conhecer pessoas de seu círculo próximo que tinham, sim, preconceito). Amostras sempre podem ser enviesadas, "erros" de aplicação de questionário sempre ocorrerão. São humanos lidando com humanos, oras! Como cientista social que sou (e olha que nem entendo muito de sociologia qu

Vestir-se de “mulher” no carnaval: transgressão ou agressão?

Carnaval é bom pra pular, mas também é bom pra pensar. E a reflexão que faço esse ano, como feminista que sou, tem a ver com o tradicional costume dos homens de se vestir de “mulher” (como se o conceito pudesse ser tratado no singular) nessa época do ano. O que pensam esses homens? O que os motiva? De que “mulher” eles se vestem? Alguns argumentarão que vestir-se de mulher no Carnaval tem a ver com a inversão generalizada típica da festa. Homens machistas e homofóbicos que normalmente repudiam o feminino por medo de serem considerado homossexuais, nessa época do ano, têm a permissão de se travestir. Mas o que é que se inverte no fim das contas? Os homens não passam a ser as maiores vítimas de assédios e abusos sexuais, nem de violência doméstica, nem têm suas questões invisibilizadas, como acontece diariamente com as mulheres. As mulheres, por sua vez, não ganham o direito de andar com (ou sem) qualquer roupa sem ser incomodadas, nem de tirar a camisa por causa do calor, nem de ci

Uma homenagem à minha avó

Sabe aquela vovó que fica em casa tricotando e fazendo bolo? A Nana, minha avó, nunca foi assim. Sempre foi uma avó ativa, antenada, de espírito jovem. Desde criança sou encantada com ela. Adorava dormir em sua casa, passear com ela no feirashop, ir ao cinema, ao teatro e ao clube. E quanto mais eu crescia, mais eu a admirava. E pensava sempre: quando eu crescer, eu quero ser igual à Nana. A Nana é mais jovem do que muito amigo meu, ela gosta de funk, de Ney Matogrosso, ela vai com frequencia ao cinema, e ainda bebe uma cervejinha diariamente. Mas junto com toda essa jovialidade que eu tanto gosto, ela traz também muita sabedoria, e é por isso que sempre ouço atentas às suas histórias, que terminam geralmente com um ditado popular. Acho que é por causa dela que eu peguei tanto gosto por tais ditados... Como feminista que sou (e talvez ela tenha uma parcela de responsabilidade nisso), admiro muito sua força e independência. Admiro também sua abertura para lidar com o diferente e